sexta-feira, 9 de maio de 2008

Almanaque traça panorama da obra de Machado de Assis




PATRICIA DE CIAColaboração para o UOL

O centenário de morte do superlativo escritor brasileiro faz de 2008 o Ano Machado de Assis, com diversos lançamentos e relançamentos. Os mais recentes são o "Almanaque Machado de Assis", de Luiz Antonio Aguiar, e uma bem-cuidada caixa reunindo os três maiores romances do autor.


Capa de almanaque de Luiz Antonio Aguiar, um dos recentes lançamentos que revêem obra de Machado de Assis"Gênio", "milagre" e "bruxo" são atributos frequentemente associados a Machado, que morreu em 29 de setembro de 1908 deixando nove romances, mais de 200 contos, cerca de 180 poemas e outras tantas crônicas, peças de teatro e resenhas. Esboçar um panorama de toda essa obra, bem como da vida de seu autor, é o que propõe o "Almanaque" de Aguiar. O livro cumpre o que promete, especialmente nas seções Mapa da Obra e Poções Machadianas, sobre os textos mais importantes do escritor ― embora o entusiasmo na tentativa de comunicar o quanto é prazeroso ler Machado e a ênfase sobre suas bruxarias literárias às vezes soem fora de tom.O "Almanaque" inclui ainda breve biografia e cronologia comparativa com eventos da vida de Machado, da literatura brasileira e da história do Brasil e do mundo, além de galeria de personagens.O livro ganha força, como leitura independente, nos momentos em que Aguiar assume abertamente o tom de almanaque: o Rio de Janeiro de Machado, as curiosidades e as frases escolhidas. A apresentação visual, no entanto, decepciona um pouco, já que as imagens estão todas concentradas em 12 páginas encartadas ao centro do volume.É inegável, porém, que o "Almanaque" é uma ferramenta útil para se guiar em meio à produção machadiana. Serve também para despertar a curiosidade do leitor para textos ainda não conhecidos, e que podem ser acessados facilmente na Internet, pois toda a obra de Machado de Assis está em domínio público.Na Web, entre os sites mais interessantes estão o Domínio Público, do governo federal, com 353 links para baixar as obras de Machado; o Machado de Assis, da Unesp, que oferece edições fac-similares dos textos publicados em periódicos como Diário do Rio de Janeiro, Marmota Fluminense e Jornal do Povo; e , que, como diz o título, oferece na íntegra suas narrativas curtas.

Livro " texto revistas.
"ALMANAQUE MACHADO DE ASSIS"Autor: Luiz Antonio AguiarEditora: RecordPreço: R$ 50,00"MACHADO DE ASSIS (3 VOL.)"Organizadores: John Gledson, Willi Bolle, Abel Barros BaptistaEditora: GloboPreço: R$ 71,90"TODA POESIA DE MACHADO DE ASSIS"Organizador: Cláudio Murilo LealEditora: RecordPreço: R$ 85,00

Livros ensinam a ler as grandes obras de Shakespeare, Borges e Dante





PATRICIA DE CIA


Colaboração para o UOL





Aprender a ler é mais do que ser capaz de compreender palavras, frases e parágrafos. É também conhecer as múltiplas linguagens da ficção, suas épocas e lugares. Pois acabam de chegar às livrarias alguns exemplares que ensinam a ler literatura: a série "Por que ler", da Globo Livros, e "Para ler como um escritor", de Francine Prose, da Jorge Zahar.





A série "Por que ler" estréia com três volumes dedicados ao italiano Dante Alighieri, ao inglês William Shakespeare e ao argentino Jorge Luis Borges
A série "Por que ler" vem reforçar a oferta de guias de leitura brasileiros, como os da série Folha Explica - Literatura. Estréia com três volumes dedicados ao italiano Dante Alighieri, ao inglês William Shakespeare e ao argentino Jorge Luis Borges. A estrutura segue um padrão único. Estão incluídos biografia do autor (batizada de "Retrato do Artista"), cronologia, uma breve seleção de trechos ("Entre aspas") e um ensaio crítico. O poeta Eduardo Sterzi apresenta Dante, a tradutora e crítica de teatro Barbara Heliodora discorre sobre Shakespeare e a professora de literatura hispano-americana Ana Cecilia Olmos se encarrega de Borges.Em seu ensaio sobre Dante, Sterzi chama a atenção para um fato importante: diante de autores como o italiano (e Shakespeare), mais do que "por que ler" a pergunta que se impõe é "como ler" sua obra. As especificidades do tempo, da forma e dos referenciais muitas vezes escapam até para quem compartilha seu idioma e os estudou no currículo escolar. O que dirá então do leitor brasileiro do século 21? Daí o grande papel dos guias de leitura, que servem de introdução, apontam caminhos e iluminam pontos obscuros.Em "Para ler como um escritor", Francine Prose vai muito além do escopo dos guias sobre um determinado autor. Ela busca demonstrar os mecanismos do texto literário, os variados modos pelos quais se provoca este ou aquele efeito no leitor. Como, a partir da escolha de palavras, do ritmo e da construção das frases e dos parágrafos, os escritores se tornam grandes.Prose é autora de ficção, crítica literária, ensaísta e professora de literatura e redação criativa com passagens pelas universidades de Harvard e Columbia. É dessa experiência de ensinar a escrever que surgiu a inspiração para o livro, que está muito longe de ser um rígido manual cheio de técnicas e mandamentos. Num estilo que se aproxima mais da conversa entusiasmada sobre literatura, a autora demonstra que a leitura foi um de seus maiores mestres na arte de escrever:

Em "Para ler como um escritor", Francine Prose busca demonstrar os mecanismos do texto literário"No processo de me tornar uma escritora, li e reli os autores de que mais gostava. Lia por prazer, primeiramente, mas também de maneira mais analítica, consciente do estilo, da dicção, do modo como as frases eram formadas e como a informação estava sendo transmitida, como o escritor estava estruturando uma trama, criando personagens, empregando detalhes e diálogos. [...] Embora seja impossível recordar todas as fontes de inspiração e instrução, posso lembrar os romances e contos que me pareceram revelações: poços de beleza e prazer que eram também livros didáticos, aulas particulares da arte de ficção.""Para ler como um escritor" trata dos grandes elementos que formam a ficção, entre eles narração, diálogos, personagem, pormenor. Todos esses temas são desenvolvidos a partir de exemplos tirados de obras variadas, não só autores de língua inglesa. Aliás, o único escritor que recebe um capítulo exclusivo é o russo Tchekhov. Ao final, Prose inclui uma lista de "livros para ler imediatamente".A edição brasileira tem o acréscimo de um "Posfácio à moda da casa", no qual Italo Moriconi repassa os autores e modelos da literatura brasileira.


Leia trecho do livro "Cartas a uma Jovem Atriz", de Marília Pêra



Bela e jovem atriz,Digo que você é bela porque todas as atrizes verdadeiras são belas e sei que é jovem porque sinto, por seus e-mails, que é uma menina...Ainda não vi uma foto sua, mas imagino que Sonia, Hedda, Catarina, Helena, Margarida e tantos outros personagens de Tchekhov, Ibsen, Shakespeare, Machado de Assis, Millôr Fernandes, Roberto Athayde, Miguel Falabella, Manoel Carlos, Aguinaldo Silva, João Emanuel Carneiro e muitos mais devem habitar seu desejo inconsciente de aliar inteligência e dignidade à beleza da forma, de maneira tal que todos os homens, nas platéias e nas telas, se apaixonem por você. E todas as mulheres. E as crianças...Eu não me achava bonita.No comecinho da vida, sim, quando meus pais, Manuel Pêra e Dinorah Marzullo, também atores, comungavam a casa com o teatro e havia ali alguma harmonia.Você me pergunta se, para ser atriz, é preciso ter o dom no sangue. Bem, no meu caso, fui preparada por meu pai e minha mãe para entrar em cena.Minha primeira peça foi Medéia, de Eurípides. A companhia se chamava Os Artistas Unidos e era estrelada por uma atriz extraordinária, Henriette Morineau.Nós todos a chamávamos de madame Morineau e sentíamos por ela uma mistura de amor e medo. Era "uma atriz trágica", assim se dizia. Ela dirigia todos os espetáculos. As atrizes, antigamente, escolhiam o texto, produziam, dirigiam e estrelavam os espetáculos realizados por suas companhias de teatro.As atrizes, hoje, escolhem o texto, produzem, estrelam, mas não têm vontade ou coragem de dirigir seus espetáculos em suas companhias de teatro; são mais dependentes, hoje, de um diretor, do que no tempo de madame Morineau, de Dulcina de Moraes e de Bibi Ferreira que, desde menina-atriz, era também diretora.Só algumas se arriscam a dirigir, hoje. Sou uma delas.Madame Morineau era trágica porque interpretava personagens sérios, mulheres angustiadas, misteriosas, doentes.Havia uma peça que se chamava O Pecado Original, de Jean Cocteau, na qual ela interpretava uma mulher diabética que espetava a própria coxa com injeções de insulina. Era um personagem que exigia muito esforço físico e, ao final de cada espetáculo, madame Morineau permanecia uns quarenta minutos meio "desmaiada", se recuperando no camarim, antes de se arrumar e receber o público que desejava cumprimentá-la.Essa atriz "trágica", aos sábados e domingos, às dez da manhã, colocava um nariz postiço, uma peruca preta desgrenhada, e se transformava na bruxa da peça infantil "O Casaco Encantado", de Lúcia Benedetti. Meu pai era o bruxo; minha mãe, a princesinha; e eu, o pajem do Rei.Depois do espetáculo infantil, almoçávamos e, mais tarde, às vezes, ensaiávamos - e à noite, meus pais, madame Morineau, eu e todo o elenco "recebíamos" nossos personagens trágicos de Medéia, ou nossos personagens extremamente "psicologizados" de Frenesi, de Charles de Peyret-Chappuis, ou conturbados, como os de "O Pecado Original" e do clássico de Tennessee Williams, "Uma Rua Chamada Pecado" - título que madame preferia ao mais conhecido "Um Bonde Chamado Desejo".Acho que pecado era uma palavra que interessava ao grande público: constava de dois títulos de espetáculos de sucesso da época.Em "Uma Rua Chamada Pecado", não havia papel de criança. Eu não entrava, mas assistia à encenação todos os dias das coxias, lugar mágico, minha escola de teatro.Minha mãe, que tem 88 anos, não sabe ao certo se eu tinha quatro ou cinco anos quando estreei em teatro interpretando a filha de Medéia; portanto, pode ter sido em 1947 ou 1948.Madame Morineau interpretava Medéia. Meu pai, falecido em 1967, era Jasão, marido de Medéia, e minha mãe interpretava "o coro" com outras duas atrizes: Margarida Rey e Antoinette Morineau, filha de madame Morineau.Quando entrei em cena pela primeira vez, não tinha noção do que fazia, mas fazia direitinho o que me mandavam.Tenho uma vaga lembrança de minha mãe colocando uma fita de cetim branco ao redor de minha cabeça e me vestindo uma túnica grega, também branca. Eu era um dos dois filhos de Medéia.Creio que foi meu pai quem me deu as primeiras dicas para entrar em cena, embora a diretora fosse madame Morineau.Eu tinha que entrar pelas mãos de um ator mineiro chamado João Ceschiatti, ao lado do meu "irmão", o outro filho de Medéia.Havia uma rampa no fundo do palco e os atores precisavam galgá-la para se tornarem visíveis ao público. Ceschiatti ficava ao centro, e eu e meu "irmão", cada um de um lado. Essa rampa me parecia enorme, mas hoje, pensando sobre isso, imagino que meu ponto de vista de menina aumentava sua extensão.Meus pais faziam parte dessa companhia de teatro que se apresentava por todo o Brasil com vários espetáculos. As peças das quais eu participava eram "Medeia", "Frenesi" e "O Casaco Encantado".Acho que a cada semana se apresentava uma delas. Aos sábados e domingos, pela manhã, encenávamos "O Casaco Encantado" e havia algumas peças das quais eu não participava.Meu pai era 24 anos mais velho do que minha mãe. Por isso, no teatro, ele era sempre marido ou amante de outras, enquanto minha mãe interpretava namorada de outros, ou criadinha sapeca, ou fazia parte do coro de belas.Essa diferença entre meu pai e minha mãe - ele, sério, meio mal-humorado, e ela, brejeira, jovem, comunicativa - tinha alguma semelhança, em meu universo emocional, com as máscaras da tragédia e da comédia. Talvez por isso, pelo fato de precisar entender e amar duas pessoas tão diametralmente opostas, e porque passei a infância vendo os dois e outros grandes atores se dividindo entre os mais variados gêneros; desde que tive alguma consciência das coisas, acreditei que uma atriz verdadeira pudesse dar conta de todos os tipos de personagens, do trágico ao cômico, do musical à chanchada.

Leia trecho do livro "Slam", de Nick Hornby



As coisas estavam indo bastante bem. Na verdade, eu diria que uma onda de paradas maneiras vinha rolando há uns seis meses.
Por exemplo: mamãe se livrou do Steve, o namorado escroto dela.
Por exemplo: a minha professora de desenho me puxou de lado depois da aula e perguntou se eu já tinha pensado em fazer faculdade de arte.
Por exemplo: faz pouco tempo, aprendi duas novas manobras de skate, depois de passar meses fazendo papel de idiota em público.Acho que nem todos vocês são skatistas, por isso vou explicar logo uma coisa para evitar qualquer conclusão ridícula: skate = skatismo. Mas a gente praticamente não usa essa palavra, por isso essa será a única vez em que irei usá-la em toda essa história, até porque, skatismo sempre me lembra um monte de gente certinha sentada ao redor de uma fogueira, no meio do mato, o que é uma das coisas mais caídas da face da terra.Além disso, eu tinha conhecido a Alicia.Eu ia dizer que talvez fosse bom vocês saberem algo a meu respeito antes que eu começasse a falar sobre minha mãe, Alicia, e tudo mais. Se vocês soubessem algo a meu respeito, talvez até ligassem para algumas dessas paradas. Se leram o que eu acabei de escrever, porém, vocês já descobriram bastante coisa, ou pelo menos podem ter sacado uma parte. Para começar, podem ter sacado que minha mãe e meu pai não moram juntos. A menos que pensem que meu pai seja do tipo que não liga se a mulher arruma namorados. Mas ele não é. Vocês também podem ter sacado que eu ando de skate. Que a minha melhor matéria na escola é arte e desenho. A menos que pensem que eu sou do tipo que vive sendo puxado de lado e incentivado a ir para a faculdade pelos professores de todas as matérias. Sabem como é?- Não, Sam! Esqueça arte! Faça física!- Esqueça a física! Seria uma tragédia para a raça humana se você largasse o francês!E então todos começam a se esmurrar.Só que esse tipo de coisa não acontece comigo na vida real. Posso jurar a vocês que nunca provoquei uma briga entre dois professores.E não é preciso ser Sherlock Holmes ou seja lá o que for para descobrir que Alicia era uma garota importante para mim. Mas fico feliz por existirem coisas que vocês não sabem e não podem sacar. São coisas esquisitas. Que eu saiba, são coisas que em toda a história do mundo só aconteceram comigo. Se vocês conseguissem sacar tudo a partir daquele pequeno primeiro parágrafo, eu começaria a me preocupar. Talvez eu não fosse uma pessoa incrivelmente complicada e interessante, ha, ha...Essa época em que as coisas estavam indo bem foi há dois anos. Eu tinha quinze, quase dezesseis anos. E não quero me lamentar, nem que vocês tenham pena de mim, mas essa sensação de que minha vida era legal foi uma novidade para mim. Eu nunca havia sentido isso, e na verdade jamais senti depois. Não estou dizendo que eu era infeliz. É que antes sempre havia algo errado, em algum lugar... alguma preocupação. (E como vocês verão, houve bastante motivo para preocupação depois, mas ainda vamos chegar lá.) Por exemplo: meus pais estavam se divorciando, e viviam brigando. Ou então já haviam se divorciado, mas mesmo assim ainda brigavam, porque eles continuaram a brigar muito tempo depois de se divorciar. Ou eu não ia bem em matemática... detesto matemática. Ou queria sair com alguém que não queria sair comigo...Tudo isso meio que tinha clareado de repente, sem que na verdade eu notasse... como acontece com o tempo às vezes. E naquele verão parecia que a gente tinha mais dinheiro. Minha mãe estava trabalhando, e meu pai não vivia tão irritado com ela, o que significa que ele estava nos dando o que deveria dar o tempo todo. Portanto, sabem como é... isso ajudava.Para contar esta história direito, sem tentar esconder coisa alguma, há algo que preciso confessar, porque é importante. É o seguinte: sei que parece idiotice, e geralmente não faço esse estilo. É sério. Quer dizer, eu não acredito em... sabem como é... fantasmas, reencarnação ou outras paradas esquisitas como essas. Mas isso foi simplesmente uma coisa que começou a acontecer, e... Tanto faz. Vou contar logo, e podem pensar o que quiserem.Eu converso com Tony Hawk, e Tony Hawk me responde.É bem provável que alguns de vocês, as mesmas pessoas que eram capazes de pensar que eu perdia meu tempo sentado ao redor de uma fogueira no meio do mato, jamais ouviram falar de Tony Hawk. Vou contar quem ele é, mas sou obrigado a dizer que vocês já deveriam saber. Não conhecer Tony Hawk é como não conhecer Robbie Williams, ou talvez até Tony Blair. Se a gente pensar bem, é pior do que isso. Porque existem montes de políticos, montes de cantores e centenas de programas de televisão. Provavelmente George Bush é até mais famoso do que Tony Blair. E Britney Spears ou Kylie são tão famosas quanto Robbie Williams. Mas só existe um skatista, na verdade, e ele se chama Tony Hawk. Está bem, não existe só um. Mas ele é sem dúvida O Cara. Ele é o J. K. Rowling dos skatistas, o Big Mac, o iPod, o X-Box. Só quem não liga a mínima para skate pode ter uma desculpa aceitável para não conhecer TH.Quando eu comecei no skate, minha mãe comprou um pôster do Tony Hawk pela Internet. Foi o presente mais legal que ganhei na vida, e nem foi o mais caro. Pendurei logo o pôster na parede do meu quarto, e simplesmente criei o hábito de contar coisas para o Tony. No começo, eu só falava com ele sobre skate. Contava os problemas que tinha, ou as manobras que inventava. Quando consegui dar meu primeiro rock'n'roll fui quase correndo até o quarto contar, porque sabia que aquilo significaria muito mais para um retrato de Tony Hawk do que para uma mãe da vida real. Não estou sacaneando a minha mãe, mas ela é totalmente sem noção. Quando eu falava de coisas assim, ela tentava parecer entusiasmada, mas seu olhar ficava completamente perdido.- Ah, que maravilha - repetia ela. Mas se eu perguntasse o que era um rock'n'roll, ela não conseguiria me dizer. Portanto, o que adiantava?Já Tony sabia. Talvez minha mãe houvesse comprado o pôster por isso. Para que eu tivesse outra pessoa com quem conversar.As respostas começaram a vir logo depois que eu li o livro dele, "Hawk - Profissão: Skatista". Eu meio que já sabia como Tony falava, e também algumas coisas que ele dizia. Para ser sincero, meio que já sabia todas as coisas que ele dizia quando conversava comigo, porque tudo saía do livro dele. Eu já tinha lido aquilo quarenta ou cinqüenta vezes quando começamos a conversar, e depois disso li mais algumas. Na minha opinião é o melhor livro já escrito, e não só para quem é skatista. Todo mundo deveria ler, porque mesmo quem não gosta de skate consegue aprender alguma coisa. Tony Hawk já esteve por cima, por baixo, e no meio das coisas, tal como qualquer político, músico ou astro de novela. Em todo caso, como eu tinha lido aquilo quarenta ou cinqüenta vezes, já havia decorado quase tudo. Por exemplo: quando eu falei dos rock'n'rolls, ele disse: "Não é uma manobra muito difícil. Mas dá uma boa base para você aprender a se equilibrar e controlar seu shape na rampa. Mandou bem, cara!"A frase "Mandou bem, cara!" foi a verdadeira conversa, se é que vocês me entendem. Era a parte nova, que eu inventei. Mas as outras eram palavras que ele usou antes, mais ou menos. Tá legal, não era mais ou menos. Eram exatamente as mesmas. De certa forma, eu até gostaria de não conhecer o livro tão bem, porque então poderia ter eliminado a frase "Não é uma manobra muito difícil". Não precisava ouvir isso depois de passar seis meses tentando acertar a parada. Preferiria que ele só dissesse: "Ei! Essa manobra dá uma boa base para você aprender a se equilibrar e controlar seu shape na rampa!"Mas seria desonesto eliminar "Não é uma manobra muito difícil". Quem pensa em Tony Hawk falando sobre rock'n'rolls ouve a voz dele dizendo: "Não é uma manobra muito difícil."Eu pelo menos ouço. É só isso. Ninguém pode reescrever a história ou eliminar certos trechos porque é mais conveniente.Depois de algum tempo, eu comecei a conversar com Tony Hawk sobre outras coisas... a escola, mamãe, Alicia, o que fosse. Descobri que ele também tinha algo a dizer sobre tudo isso. As palavras ainda vinham do livro, mas o livro é sobre a vida dele, e não só sobre o skate. Portanto, ele não fala só sobre sacktaps e shoveits.Por exemplo: quando eu contava que tinha perdido a paciência com a mamãe sem motivo, ele dizia que eu era ridículo. Não entendo como meus pais não me amarraram com fita gomada, enfiaram uma meia na minha boca e me jogaram num canto qualquer.E quando eu falava de alguma briga grande na escola, ele respondia: "Eu não me metia em encrenca, porque era feliz com a Cindy."Cindy era a namorada dele na época. Para dizer a verdade, nem tudo que Tony Hawk dizia era útil, mas isso não era culpa dele. Se o livro não contivesse algo perfeitamente adequado, eu precisava encaixar algumas frases da melhor maneira possível. E o mais espantoso era que as idéias sempre faziam sentido depois de encaixadas, se você pensasse bem a respeito do que ele havia dito.Por falar nisso, de agora em diante Tony Hawk será TH, como ele é chamado por mim. A maioria das pessoas chama Tony de Homem-Pássaro, por causa do sobrenome Hawk, que quer dizer falcão, e tudo mais, mas isso me parece meio americano demais. Além disso os meus conhecidos parecem ovelhinhas, e acham que Thierry Henry é o único esportista com as iniciais TH. Mas ele não é, e eu gosto de sacanear o pessoal. Sinto que as letras TH pertencem a um código pessoal secreto.Só estou mencionando as conversas com TH aqui, porém, porque me lembro de ter contado a ele que as coisas estavam indo bem. Fazia sol, e eu havia passado a maior parte do dia em Grind City, que, como vocês talvez saibam, é uma pista de skate que fica a uma curta distância de ônibus da minha casa. Quer dizer, provavelmente vocês não sabem que o lugar fica a uma curta distância de ônibus da minha casa, porque não sabem onde eu moro, mas se forem descolados ou conhecerem alguém descolado talvez já tenham ouvido falar dessa pista de skate. Em todo caso, Alicia e eu fomos ao cinema naquela noite. Talvez fosse a terceira ou quarta vez que saíamos, e eu estava muito a fim dela. Quando cheguei em casa, minha mãe estava vendo um DVD com Paula, uma amiga dela. Mamãe me pareceu feliz, mas talvez isso fosse só imaginação minha. Talvez eu estivesse feliz, porque ela estava vendo um DVD com Paula e não com Steve, o namorado escroto.- Como foi o filme? - perguntou mamãe.- É, foi bom.- Vocês viram alguma parte? - A Paula riu.Eu simplesmente fui para o meu quarto, porque não queria esse tipo de conversa com ela. Sentei na cama, olhei para TH, e disse:- As coisas até que não andam mal.- A vida é boa - ele concordou. - Nós nos mudamos para uma casa nova e maior numa lagoa, perto da praia. O mais importante é que a casa tinha um portão.Como eu disse, nem tudo que TH fala é certeiro, mas não é culpa dele. É que o livro não é suficientemente longo. Eu gostaria que houvesse um milhão de páginas ali, porque a) provavelmente eu ainda não teria terminado de ler, e b) ele teria algo a me dizer sobre tudo.Eu falei do meu dia em Grind City e das manobras que vinha treinando. Depois entrei em lances que normalmente esqueço nas minhas conversas com TH. Falei um pouco de Alicia. Contei como andava a vida da mamãe, e disse que Paula estava sentada onde Steve costumava ficar. TH não tinha muito a dizer sobre isso, mas por algum motivo achei que ele parecia interessado.Isso parece loucura? Provavelmente parece, mas eu não ligo. É sério. Quem não conversa com alguém dentro da cabeça? Quem não conversa com Deus, com um bicho de estimação, com um ente querido que morreu, ou talvez apenas consigo mesmo? TH... ele não era eu. Mas era quem eu queria ser, o que faz dele a melhor versão de mim mesmo. Não pode ser uma coisa ruim ter a melhor versão de você mesmo parada ali na parede do quarto, te olhando. Faz você sentir que não pode falhar consigo mesmo.Em todo caso, só estou dizendo que houve uma época... talvez tenha sido um dia, talvez alguns dias, eu já não me lembro... em que tudo parecia estar dando certo. E, obviamente, era hora de ir fazer uma cagada geral.

sábado, 17 de novembro de 2007

Soneto 116 - W. Shakespeare

Let me not to the marriage of true mindsAdmit impediments. Love is not loveWhich alters when it alteration finds,Or bends with the remover to remove:O no! it is an ever-fixed markThat looks on tempests and is never shaken;It is the star to every wandering bark,Whose worth's unknown, although his height be taken.Love's not Time's fool, though rosy lips and cheeksWithin his bending sickle's compass come:Love alters not with his brief hours and weeks,But bears it out even to the edge of doom.If this be error and upon me proved,I never writ, nor no man ever loved.


Que à união de mentes verdadeiras não se admita impedimentos; amor não é amor se se altera quando encontra alterações. Ou se curva diante de força contrária: Ah, não, é uma marca para sempre fixa. Que enfrenta tempestades sem estremecer; é a estrela guia de cada barco errante, cujo valor é desconhecido, embora sua altura seja medida. Amor não é servo do Tempo, mesmo que lábios e faces sofram os efeitos de seu compasso poderoso; amor não se altera com o passar de horas e semanas. Mas resiste a tudo, até o limiar da eternidade. Se isso é falso, e o engano for provado, eu nunca escrevi, e ninguém jamais amou.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Realidade Insuportável

Tenho me preocupado com o rumo do nosso país. Tenho me preocupado com o destino dos jovens como eu. Não sei se vocês perceberam, mas muitos valores foram mudados e corrompidos com o passar do tempo.
Há alguns dias, uma mãe fez um desabafo muito interessante, depois foi atacada por vários ângulos por quem digamos que está no “poder”. Mas o que mais me intrigou foi ver que quem sofreu aqueles “maus tratos” não se manifestaram. Alguém levantou a bandeira deles e eles ficaram calados.
Percebo que o jovem hoje só está servindo para fazer propaganda da Kipling, da fórum, canal da mancha, do clube, da banda de rock, mas o jovem só está preocupado com isso; com o ter e não ser; preciso ser bonita, preciso estar na moda, preciso ser sócia daquele clube, preciso namorar aquele fulano, preciso chamar atenção, preciso me divertir.
Nunca tivemos tantas facilidades, nunca tivemos tantas opções de divertimento e nuca fomos tão deprimidos. Eu tento porque o Lula ainda é presidente, depois de dizer vão querer prender crianças...
Não existe ninguém preocupado com o futuro dos jovens ou da nação. Os jovens estão preocupados em comprar e os governantes estão muito cansados para limpar a sujeira que foi feita desde o começo da criação.
Hoje temos como ídolos cantores, jogadores de futebol, enfim...
Estou triste porque já nasci morrendo numa humanidade decadente. Queria eu ser Chico Buarque, na ditadura militar, queria ser e me encontrar com os caras pintadas (contra o Collor) hoje, queria eu ser Manhatam Ghandi, queria eu ser gente.
Por que será que estou sozinha no mundo vendo tudo se destruir, enquanto vejo propaganda “o jovem é o futuro da nação”? Que futuro?
O jovem atual não pinta a cara para pedir mudança na legislação; o jovem não grita ou dança para montar um plano que realmente acabe com a fome; o jovem não se preocupa em diminuir o que causa realmente a violência... E daí se fulano matou ou morreu, não fui eu... E daí se a água do mundo vai acabar? Eu me preocupo é com o agora: tô no clube, to tomando banho de 2 horas, bebendo cerveja gelada; e daí para o aquecimento da camada de ozônio! E daí que a Amazônia não é mais nosso patrimônio! E daí que cidades vão sumir na água, pouco importa o que o prefeito faz, pouco importa que existe a progressão continuada e que ela não funciona. Pouco importa que a inclusão não está sendo feita de maneira correta; pouco importa que escola de tempo integral é só mais uma operação tapa buraco.
A mídia também, vejam vocês, quando não existia liberdade de expressão queriam mostrar e falar das coisas erradas do poder. Hoje, que pode falar tudo, eles ajudam a enfeitar e a encobrir a politicagem. Enfatizam banalidades e mascaram o que realmente incomoda – o que deveria despertar os jovens acabam por omitir.
Eu já nasci morrendo, e gente com valores de verdade é só história mesmo. Para mudar alguma coisa talvez seja tarde demais. Sou pequena demais.
Sinto tanta falta de ser realmente útil. Meu sonho é ver reis declinando, leis sendo substituídas, políticas de pão e leite sendo substituídas por projetos que resolvam a causa e não apenas melhore os defeitos ou torne suportável a realidade insuportável.

Mariângela da Costa do Nascimento – Guairá/ São Paulo.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

O PRESENTE

Inspirado em uma carta de Patrícia Gambirasi.

MOTE

Olhe o artista do universo: Canta, pinta, chora, ri... Nunca diz que está aqui, Pois habita entre estes versos!

GLOSA

Olhe o artista do universo: Faz a vida ser modesta, Faz folia feito festa, Mesmo sendo assim, disperso. Por estar em toda parte: Canta, pinta, chora, ri; Vive vidas por sentir, Que em toda parte há arte. Dá a todos seu amor, Sua luz não cabe em si, Nunca diz que está aqui, Mas nos traz o seu calor. Num poema tão diverso, Não sei quem se manifesta, Na alegria que me resta: Pois habita entre estes versos!

Marcelo Finholdt - 05/2004